Vamos mergulhar no que a ciência tem descoberto sobre esse comportamento, explorando não apenas o aspecto do “vício”, mas também um estado mental chamado dissociação, e como o design dessas plataformas influencia nosso comportamento.
O Lado Viciante das Redes Sociais
É inegável que as redes sociais utilizam mecanismos que ativam nosso sistema de recompensa cerebral. Likes, comentários, compartilhamentos e o fluxo constante de novas informações funcionam como gatilhos que liberam dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à motivação. Esse ciclo de recompensas intermitentes nos incentiva a continuar “checando” o feed, criando um hábito que pode se tornar compulsivo.
As plataformas digitais são frequentemente construídas para nos “fisgar”, utilizando “recompensas variáveis” que nos mantêm na “caça” por novos conteúdos. Em outras palavras, a própria estrutura das redes sociais pode nos levar a um uso excessivo e descontrolado.
Além do Vício: A Dissociação Normativa
Mas o problema vai além do simples vício. Existe um estado mental que muitos experimentam ao usar redes sociais, conhecido como dissociação normativa. Esse conceito descreve um estado de absorção cognitiva total, onde a autoconsciência diminui e a noção de tempo e ambiente ao redor se perde.
Pense em momentos como dirigir em uma estrada familiar e, de repente, perceber que você percorreu vários quilômetros sem se lembrar conscientemente do trajeto (“hipnose de estrada”), ou ficar totalmente imerso em um livro ou filme. Essas são formas de dissociação normativa.
Nas redes sociais, isso se manifesta quando você começa a rolar o feed e entra em um estado de “piloto automático”, perdendo a noção de quanto tempo passou ou até mesmo esquecendo o conteúdo que acabou de ver. É o que alguns usuários descrevem como “zonear” ou entrar em um estado “zumbi”.
A dissociação normativa pode ocorrer de forma:
- Ativa: Quando você escolhe intencionalmente se absorver em algo (como assistir a um filme para relaxar).
- Passiva: Quando você “escorrega” para esse estado sem perceber, como acontece frequentemente ao rolar feeds infinitos.
É essa dissociação passiva nas redes sociais que se torna problemática, pois muitas vezes nos deixa com a sensação de tempo desperdiçado e sem ter absorvido nada de valor.
Por Que Isso Acontece? O Papel do Design
A pesquisa de Amanda Baughan e sua equipe, detalhada no artigo ““I Don’t Even Remember What I Read”: How Design Influences Dissociation on Social Media”, investigou justamente como o design das plataformas contribui para essa dissociação. Eles desenvolveram um cliente customizado do Twitter, chamado Chirp, e testaram diferentes intervenções de design.
Os resultados confirmaram que os usuários frequentemente experimentam dissociação normativa nas redes sociais, descrevendo-se como “perdidos” no conteúdo ou “desconectados” do ambiente. O design das plataformas, com recursos como o scroll infinito e a apresentação de conteúdo de forma contínua, facilita essa perda de autoconsciência e controle.
É como entrar em uma “zona”, similar àquela descrita em estudos sobre jogos de azar, onde a pessoa fica tão absorta que perde a noção do que está acontecendo ao redor.
Recuperando o Controle: O Que a Ciência Sugere
A boa notícia é que o design, que pode nos levar a esses estados, também pode nos ajudar a sair deles. O estudo com o Chirp testou intervenções que se mostraram eficazes na redução da dissociação normativa e no aumento da sensação de controle dos usuários:
- Listas Personalizadas: Organizar o conteúdo em listas menores e temáticas, em vez de um feed único e infinito, ajudou os usuários a se sentirem mais no controle e menos propensos a se perderem na rolagem.
- Marcadores de Histórico de Leitura: Indicar onde o usuário já havia parado de ler em uma sessão anterior serviu como um “critério de parada”, sinalizando que o conteúdo novo havia acabado e incentivando a sair do aplicativo.
- Diálogos de Limite de Tempo: Notificações que apareciam após um certo tempo de uso, informando o tempo gasto e perguntando se o usuário desejava continuar, ajudaram alguns participantes a perceberem o tempo que estavam dedicando à plataforma e a decidirem sair.
- Estatísticas de Uso: Ter acesso fácil a dados sobre o tempo gasto e o conteúdo consumido permitiu que os usuários refletissem sobre seus hábitos e tomassem decisões mais conscientes.
Essas descobertas sugerem que, ao adicionar “fricções” ou “meta-comentários” ao feed, o design pode reengajar a autoconsciência do usuário e interromper o estado dissociativo.
Estratégias Práticas para Você
Com base nesses insights e nas recomendações de especialistas, podemos adotar algumas estratégias práticas para gerenciar nosso uso das redes sociais e minimizar os efeitos negativos do vício e da dissociação:
- Monitore seu Tempo: Use as ferramentas nativas do seu celular (como “Tempo de Uso” no iOS ou “Bem-Estar Digital” no Android) ou aplicativos de terceiros para saber exatamente quanto tempo você passa nas redes sociais diariamente. A simples consciência já é um primeiro passo poderoso.
- Defina Limites Claros: Estabeleça horários específicos para acessar as redes sociais e use alarmes ou os próprios limites dos aplicativos para se desconectar quando o tempo acabar.
- Tenha um Objetivo ao Acessar: Antes de abrir um aplicativo, pergunte-se: “Por que estou entrando agora?”. Seja para verificar uma mensagem específica, postar algo, ou buscar uma informação. Tente sair assim que cumprir seu objetivo.
- Personalize seu Feed: Deixe de seguir contas que não agregam valor, que geram gatilhos emocionais negativos (ansiedade, comparação, tristeza) ou que simplesmente fazem você perder tempo. Utilize as opções de “não tenho interesse” para refinar o conteúdo que aparece.
- Crie Listas ou Categorias: Se a plataforma permitir (como o Twitter), organize as pessoas que você segue em listas temáticas. Isso permite que você consuma conteúdo de forma mais direcionada e com um “fim” claro.
- Faça Pausas Regulares: Considere tirar um dia da semana ou períodos mais longos sem redes sociais para se reconectar com outras atividades e com o mundo real.
- Encontre Atividades Alternativas: Dedique tempo a hobbies, exercícios físicos, leitura, ou simplesmente passar tempo de qualidade com pessoas queridas, sem a interferência das telas.
- Reflita Sobre seu Uso: Após usar as redes sociais, tire um momento para refletir sobre como você se sentiu, o que viu e se o tempo gasto foi produtivo ou satisfatório.
- Desative Notificações: Reduza a tentação de verificar o celular a todo momento desativando as notificações que não são essenciais.
- Organize seus Aplicativos: Mantenha os ícones das redes sociais fora da tela inicial do seu celular, em pastas ou telas secundárias, para evitar o acesso impulsivo.
Conclusão
As redes sociais são ferramentas poderosas, mas é fundamental usá-las de forma consciente e saudável. Entender os mecanismos de vício e, principalmente, o fenômeno da dissociação normativa, nos capacita a reconhecer quando estamos perdendo o controle e a buscar estratégias para retomar as rédeas do nosso tempo e atenção.
Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de desenvolver uma relação mais equilibrada com ela. Ao implementar pequenas mudanças em nossos hábitos e aproveitar as funcionalidades (ou a falta delas) das plataformas, podemos reduzir a rolagem sem fim, diminuir a sensação de tempo perdido e garantir que nosso uso das redes sociais esteja alinhado com nossos objetivos e bem-estar.
Se você sente que o uso das redes sociais está impactando negativamente sua saúde mental, causando ansiedade, tristeza, problemas de sono ou dificuldades de concentração, não hesite em buscar ajuda profissional. Na “Além da Psiquiatria“, estamos prontos para oferecer o suporte necessário.
Referência:
- Baughan, A., Zhang, M. R., Rao, R., Lukof, K., Schaadhardt, A., Butler, L., & Hiniker, A. (2022). “I Don’t Even Remember What I Read”: How Design Influences Dissociation on Social Media. CHI Conference on Human Factors in Computing Systems (CHI ’22). https://doi.org/10.1145/3491102.3501899
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