Como o Estresse e a Ansiedade Influenciam Nossas Crenças e Decisões

Você já notou como, às vezes, parece mais fácil acreditar em notícias boas do que em notícias ruins, especialmente quando elas dizem respeito a você? Essa tendência humana, de integrar informações desejáveis sobre nós mesmos com mais facilidade do que as indesejáveis, é um fenômeno bem estudado.
Estresse e a Ansiedade

Recentemente, um artigo científico de grande relevância, intitulado “Updating Beliefs Under Perceived Threat” e assinado por pesquisadores como Neil Garrett, Ana María González-Garzón, Lucy Foulkes, Liat Levita e Tali Sharot, aprofundou-se nessa questão, revelando como essa assimetria pode ser drasticamente modulada pela percepção de ameaça.

Compreender essa dinâmica é crucial, pois, embora a inclinação para o otimismo possa impulsionar nossa motivação, bem-estar e até mesmo nossa exploração de novas possibilidades, a subestimação de riscos pode ter custos significativos, como a falta de preparo para imprevistos ou a tomada de decisões equivocadas. A pergunta que surge é: por que teríamos evoluído com um viés que, em certas situações, nos leva a erros de julgamento? A resposta pode residir em uma fascinante flexibilidade da nossa mente, que se adapta às demandas do ambiente. Em outras palavras, essa assimetria na forma como absorvemos informações não é fixa, mas pode mudar profundamente sob a percepção de perigo, alterando a maneira como processamos informações.

O Viés de Otimismo em Cenários Cotidianos

Para entender essa dinâmica, é crucial compreender como o viés de otimismo opera em condições normais, conforme descrito em “Updating Beliefs Under Perceived Threat”. O estudo aponta que, consistentemente, as pessoas são melhores em incorporar “boas notícias” às suas crenças existentes, enquanto tendem a minimizar o impacto de informações “desfavoráveis”. Imagine, por exemplo, que você recebe um feedback sobre seu desempenho profissional. Se for positivo, é provável que você o internalize rapidamente. Mas se for uma crítica construtiva, mesmo que válida, sua mente pode resistir mais em aceitá-la plenamente.

Essa assimetria se manifesta em diversas áreas da vida, como detalhado no artigo. Os autores mencionam exemplos como a forma como as pessoas processam informações sobre o risco de serem roubadas, suas perspectivas financeiras, suas habilidades intelectuais, traços de personalidade ou até mesmo características físicas. Em todos esses casos, há uma inclinação natural para aceitar e integrar mais facilmente dados que confirmam ou elevam uma visão positiva de si mesmo.

As vantagens de uma perspectiva otimista são claras: ela pode melhorar a saúde física e mental, aumentar a motivação, incentivar a exploração e a persistência, contribuindo para o sucesso e o bem-estar geral. No entanto, o lado sombrio é que essa mesma tendência pode nos deixar vulneráveis, levando a uma avaliação falha da realidade e à ausência de ações preventivas, como visto em cenários de desastres naturais ou até mesmo em bolhas financeiras. Essa aparente contradição, onde um traço benéfico pode se tornar prejudicial, forma a base do enigma evolucionário que o estudo busca desvendar.

A Transformação Sob Ameaça: O Que Acontece Quando Estamos Estressados?

A pesquisa de Garrett e colaboradores, em “Updating Beliefs Under Perceived Threat”, propõe que essa assimetria não é constante, mas flutua em resposta às demandas do ambiente. Em ambientes considerados seguros, onde o potencial de dano é baixo, o viés otimista pode ser proeminente. No entanto, em ambientes onde as ameaças são significativas, uma resposta fisiológica e psicológica pode ser ativada, alterando a forma como as informações são integradas, levando a um processamento mais equilibrado e realista. Essa flexibilidade, sugerem os pesquisadores, pode ser uma adaptação.

Para testar essa predição, o estudo realizou dois experimentos notáveis:

  1. Experimento I: O Laboratório Controlado: Neste experimento, os pesquisadores criaram uma “ameaça” controlada em laboratório. Participantes foram informados de que teriam que fazer um discurso gravado em vídeo e avaliado por uma banca de staff, além de resolver problemas matemáticos difíceis. O objetivo não era realmente executar a ameaça, mas sim induzir um estado de ansiedade e estresse. Os resultados do estudo confirmaram que essa manipulação foi bem-sucedida, com os participantes do grupo de ameaça apresentando aumento na ansiedade autorrelatada e na condutância da pele (SCL), que é um índice fisiológico de excitação simpática e reflete o aumento da atividade do sistema nervoso autônomo – basicamente, uma medida de como seu corpo reage ao estresse. O SCL e o autorrelato de ansiedade foram correlacionados com a maior integração de notícias ruins.
  1. Experimento II: O Campo de Batalha Real (Bombeiros em Serviço): Para validar os achados em um ambiente natural e de alta demanda, a pesquisa, conforme descrito em “Updating Beliefs Under Perceived Threat”, envolveu bombeiros em serviço no estado do Colorado. Esse grupo foi escolhido por ter uma variação naturalmente ampla nos níveis de ansiedade devido à natureza volátil de sua profissão. A ideia era observar como o processamento de informações mudava quando esses profissionais estavam em um estado de alerta ou estresse inerente às suas funções. Não houve manipulação de ameaça, mas a ansiedade foi medida em um contexto onde ela variava naturalmente.

Os resultados foram claros e convergentes, de acordo com Garrett e colaboradores: em ambos os experimentos, a presença de uma ameaça percebida – seja ela induzida em laboratório ou naturalmente presente no ambiente de trabalho – eliminou a assimetria na integração de informações. Isso significa que os participantes, tanto no grupo de ameaça quanto os bombeiros com níveis mais elevados de ansiedade, mostraram uma capacidade significativamente maior de incorporar “notícias ruins” em suas crenças. Quanto maior o aumento na condutância da pele e na ansiedade autorrelatada, maior era a probabilidade de os indivíduos ajustarem suas crenças em resposta a informações desfavoráveis. É importante notar que essa melhora na integração da informação foi específica para notícias ruins e não indicou uma melhoria geral no aprendizado, nem estava relacionada à memória da informação. Além disso, a fonte da ameaça (por exemplo, um discurso ou o risco do trabalho de bombeiro) não precisava estar diretamente ligada ao conteúdo da informação processada, sugerindo um efeito generalizado do estresse.

Por Que Essa Flexibilidade é Adaptativa?

A capacidade de alternar entre um viés otimista e uma avaliação mais realista do risco é, para os pesquisadores em “Updating Beliefs Under Perceived Threat”, um mecanismo adaptativo crucial. Em um ambiente relativamente seguro, o otimismo pode ser uma ferramenta poderosa para o bem-estar e o progresso. Ele pode nos impulsionar a explorar, a persistir diante de desafios e a manter uma perspectiva positiva que contribui para a saúde mental. Mas quando a ameaça é iminente e os custos potenciais são altos – por exemplo, em uma situação de perigo real –, tornar-se mais receptivo às “más notícias” é vital para a sobrevivência e a tomada de decisões cautelosas. Essa mudança no processamento de informações garante que, em momentos de vulnerabilidade, estejamos mais atentos aos perigos e mais inclinados a tomar as precauções necessárias.

A especulação é que o estresse agudo pode interferir nos mecanismos de controle de cima para baixo que normalmente inibem a integração de informações indesejadas, ou pode amplificar a representação neural dos “erros de previsão” gerados por notícias ruins. De qualquer forma, essa flexibilidade permite que nosso cérebro se ajuste para ser mais preciso e protetor quando a situação exige, garantindo que possamos nos beneficiar do otimismo quando é seguro, e da cautela quando é necessário.

O Papel do Psiquiatra na Navegação do Estresse e das Crenças

Entender esses mecanismos neurocognitivos tem implicações profundas para a psiquiatria e a saúde mental. Na clínica Além da Psiquiatria, a compreensão de como o estresse e a ansiedade moldam a forma como nossos pacientes percebem e interagem com o mundo é fundamental. Em um ambiente onde a acolhida e a escuta ativa são prioridades, o Dr. Pedro e sua equipe trabalham para criar um espaço seguro, longe das “ameaças percebidas” que podem distorcer o processamento de informações.

Para um paciente que busca um psiquiatra em BH, a abordagem da clínica “Além da Psiquiatria” significa não apenas tratar sintomas, mas também auxiliar na compreensão dos processos subjacentes que influenciam as crenças e decisões. Em situações de ansiedade crônica, transtornos de estresse ou outras condições que mantêm o indivíduo em um estado de ameaça constante, a capacidade de integrar informações de forma equilibrada pode ser comprometida. Pacientes nessa condição podem ter dificuldade em absorver informações importantes, sejam elas boas ou ruins, porque seu sistema está constantemente em um estado de alerta distorcido. A terapia, seja medicamentosa ou não, aliada ao diálogo e à construção de ferramentas de enfrentamento, visa restaurar essa flexibilidade adaptativa. O objetivo é ajudar o paciente a modular sua resposta ao estresse para que possa processar as informações de forma mais funcional, nem excessivamente otimista a ponto de negligenciar riscos, nem excessivamente pessimista a ponto de ficar paralisado. Ao promover um ambiente de segurança e suporte, a psiquiatria clínica permite que o paciente aprenda a navegar pelas informações da vida de maneira mais saudável e adaptativa, mantendo o viés de positividade quando é benéfico, e sendo cauteloso quando é necessário.

Conclusão

A pesquisa de Garrett e colaboradores em “Updating Beliefs Under Perceived Threat” sobre como o estresse e a ansiedade influenciam nossas crenças e decisões revela a complexidade e a engenhosidade do cérebro humano. Não somos máquinas de processamento de informações passivas; nossa percepção da realidade é ativamente moldada por nosso estado emocional e pelo ambiente. A flexibilidade em integrar notícias, especialmente as desfavoráveis, em momentos de ameaça, é uma estratégia evolutiva para nos proteger e garantir nossa adaptação.

Para a psiquiatria clínica, isso reforça a importância de uma abordagem integral, que considere não apenas os sintomas, mas também os mecanismos subjacentes da cognição e emoção. Compreender como o estresse pode alterar nossa percepção nos capacita a buscar e oferecer ajuda de forma mais eficaz, permitindo que cada indivíduo desenvolva uma relação mais saudável e adaptativa com as informações que recebe, promovendo resiliência e bem-estar em todas as circunstâncias. Ao reconhecer e trabalhar com essa flexibilidade inata, podemos ajudar os pacientes a reconquistar o controle sobre suas mentes e suas vidas.


Referência: Garrett, N., González-Garzón, A. M., Foulkes, L., Levita, L., & Sharot, T. (2015). Updating Beliefs Under Perceived Threat. Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3155415

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